
Imagine-se voltar a estar perto da meia noite do dia 31 de dezembro. Com a aproximação das 12 badaladas que irão assinalar a entrada no novo ano, já se encontra vestido a preceito, as passas estão prontas, tais como as sete sementes de romã, as lentilhas, os copos, o espumante e, as cabeças, voltadas para o céu com a expectativa elevadíssima a aguardar o início do espetáculo pirotécnico, a formulação dos desejos e o pular das 7 ondinhas.
De Norte a Sul do planeta, de leste a oeste, milhões de pessoas aguardam por aquela que é considerada uma das melhores diversões planetárias do ano. Em cada passagem de ano, as cidades competem entre si, sobre a melhor ou mais longa festa pirotécnica.
Quem não delira com o momento? Há, inclusive, quem acredite até que a ausência de fogo-de-artifício será o prenúncio de um mau ano.
Contudo, esta é uma festa que pode custar caro à nossa saúde. O espetáculo de cores, luzes e variedade e volume de explosões podem acarretar graves consequências, sobretudo para a nossa saúde.
Os fogos-de-artifício causam uma elevada poluição atmosférica num espaço muito pequeno de tempo, deixando partículas de metal, toxinas perigosas, produtos químicos nocivos e fumo a pairar no ar.
Algumas destas toxinas nunca chegam a decompor-se completamente, permanecendo no ambiente e envenenando tudo o que contatam.
As principais consequências para a saúde humana, decorrentes da proliferação destas partículas, principalmente as finas (com menos de 2,5 milionésimos de metro), são as doenças respiratórias e cardiovasculares, englobando principalmente ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais (AVC), segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA).
Num curto período, os fogos-de-artifício espalham cerca de cinco mil toneladas de partículas finas, responsáveis por aproximadamente centenas de milhares de mortes por ano, de acordo com estimativas atuais.
A título de exemplo, na Alemanha, a poluição proveniente deste espetáculo que dura apenas alguns minutos, equivale a cerca de um quinto das partículas finas emitidas nas ruas, principalmente pelos carros.
Esta situação pode ser tão perigosa que os médicos recomendam o uso de máscaras, para proteger da poluição. “Respirar partículas finas põe em perigo a saúde das pessoas, com repercussões que vão desde deficiências temporárias do sistema respiratório a uma maior necessidade de medicamentos para asmáticos com doenças respiratórias ou cardiovasculares graves“, segundo a agência ambiental alemã.
Os fogos-de-artifício causam uma elevada poluição atmosférica num curto período, deixando partículas de metal, toxinas perigosas, produtos químicos nocivos e fumo a pairar no ar
Espetacular, mas tóxico
Existem exemplos bem documentados, como é o caso da Festa de São João, em Girona (Espanha), ou na Índia, aquando do festival das luzes (Diwali), que causa uma poluição atmosférica muito pior do que o registado em Pequim nos piores dias. E, claro, o que sobe tem de descer. O remanescente que cai no chão contém resíduos de propulsores e corantes não queimados, enquanto as partículas expelidas no ar acabam por se depositar nos solos ou são levadas pelas chuvas, em direção aos lagos e rios, onde as infiltrações já foram associadas a problemas de tiroide.
Os níveis de partículas finas na atmosfera chegam a triplicar em épocas festivas. Há estudos que relacionam a exposição a estas partículas, mesmo que durante curtos períodos, como nos espetáculos de pirotecnia, a maiores índices de mortalidade e morbidade.
Importante ainda considerar as condições meteorológicas. Se houver pouco vento, a dispersão das partículas será menor, logo, os valores de contaminação no ar serão mais elevados. As partículas maiores permanecem nas vias respiratórias superiores, não sendo tão problemáticas. Já as finas, chegam aos pulmões, estando associadas a graves problemas de saúde.
Depois, há ainda a influência na camada do ozono e a poluição sonora, mas esta, é quase negligenciável.
O início do uso de pirotecnia não é fácil de precisar, mas pensa-se que tenha acontecido na Ásia, durante a Pré-História. Mas, seguramente, há provas de que a pólvora foi fabricada pela primeira vez na China há cerca de 2000 anos, quando um alquimista juntou acidentalmente salitre (nitrato de potássio) com enxofre e carvão; mistura que ficaria conhecida como pólvora (“fogo químico“).
Já o fogo-de-artifício data de alguns milhares de anos a.C., numa época muito anterior à descoberta da pólvora. Terá surgido quando se descobriu que canas de bambu ainda verdes explodiam em contacto com o fogo. De início foi o susto, mas os chineses acostumaram-se e tomaram-lhe o gosto. Começaram a atirar caules verdes de bambu (pao chuck) para as fogueiras em épocas festivas. O objetivo? Afugentar os maus espíritos. Dois mil anos depois, observaram que ao rechear as canas de bambu com o já conhecido “fogo químico“, o estrondo resultante era muito maior. Foram os primeiros fogos de artificio a serem fabricados como hoje os conhecemos.
O domínio da pirotecnia, circunscrito à China, e mais tarde alastrado à Índia, chegou à Europa através dos árabes e gregos. Posteriormente, os alquimistas islâmicos adicionaram sais oxidantes de potássio, e ainda magnésio e alumínio. Metais que conferiam um brilho nunca visto e um variado número de efeitos luminosos. Com o advento da química moderna e a descoberta das suas leis, muitos elementos foram estudados, assim como as suas reações. De lá para cá, diversos efeitos visuais foram acrescentados ao fogo de artifício através da mistura de diferentes substâncias, como:
Nitrato + carbonato ou sulfato de estrôncio = vermelho
Nitrato + clorato ou carbonato de bário = verde
Oxalato ou carbonato de sódio = amarelo
Carbonato ou sulfeto de cobre + cloreto mercuroso (calomenano) = azul
Apesar de existirem vários tipos de fogo, e os seus efeitos dependerem da composição ou estrutura da peça, todos são construídos com fundamento num mesmo princípio: armazenar o máximo de energia num mínimo espaço.