Em 2001, numa entrevista ao DN, o professor galês Landeg White não hesitou em classificar Luis de Camões como “o primeiro poeta universal”, não só pela obra, mas também pela experiência de vida.
Sobre o “poeta maior“, Manuel Alegre afirmou: “é o primeiro grande poeta europeu que vai também ao encontro de outros povos e de outras culturas. Para além da cultura extraordinária que ele tem, porque sem a cultura que ele tem não se pode escrever Os Lusíadas, Camões conhecia os gregos, os latinos, conhecia isso tudo. Conhecia a geografia, conhecia aquilo que nessa altura se sabia mesmo sobre a ordem do mundo. Ele viaja o poema, e adquire conhecimento com esses contatos. É o primeiro poeta europeu que vai realmente ao encontro do mundo, das sete partidas no mundo. E isso dá-lhe uma dimensão verdadeiramente universal. Outra coisa ainda, é que os heróis de Os Lusíadas, ao contrário dos heróis de Homero e de Virgílio, não são heróis fictícios, nem inventados. Os heróis de Os Lusíadas são heróis de carne e osso. É o povo. É o Gama, mas é o povo. É o povo português”.
Luis Vaz de Camões, é – na opinião da grande maioria – o maior poeta da língua portuguesa e um dos maiores poetas universais.
A vida de Camões poderia ser o enredo de um grande romance ou filme de aventura. Ele nasceu em Lisboa, provavelmente em 1524 ou 1525, e teve uma educação refinada, estudando latim, história e literatura. Envolveu-se em amores [também] com damas da nobreza, além de levar uma vida boémia e turbulenta. Diz-se que, por conta de um amor frustrado, alistou-se como militar e serviu como soldado português no continente africano, onde perdeu um olho numa batalha.
Aparentemente, a vida amorosa de Camões foi tão tumultuada quanto a sua vida militar. Ele se apaixonou por mulheres da nobreza, o que frequentemente lhe trouxe problemas. Um dos seus amores foi Catarina de Ataíde, mas não teve um final feliz.
Catarina de Ataíde (filha de Álvaro de Sousa, senhor de Eixo e Requeixo, foi dama da corte da rainha D. Catarina, esposa do rei D. João III. Tornou-se senhora de Verdemilho pelo casamento com Rui Pereira Borges de Miranda), era uma senhora muito devota e de rara beleza. Segundo a opinião da generalidade dos historiadores, era ela a Natércia da lírica de Luís de Camões. Aparentemente, foi a grande paixão da juventude do poeta, a quem esse amor impossível custou quatro desterros: primeiro de Coimbra para Lisboa; depois para Santarém; de seguida para Ceuta; e, finalmente, para a Índia, de onde voltou pobre já depois do falecimento da sua amada. Mais do que a sua linhagem, foi a circunstância de ter sido a musa inspiradora de belos e sentidos poemas de Luís de Camões que fez com que o nome de Catarina de Ataíde ficasse para a posteridade.
Depois de muitos escândalos, Camões foi exilado para o Oriente, onde passou anos navegando pelos mares da Índia, China e Moçambique. Essa fase de sua vida foi uma mistura de aventuras e dificuldades, mas também o incentivou a escrever a obra “Os Lusíadas“.
Se há uma obra que encapsula a grandeza de Camões, essa obra é “Os Lusíadas“. Publicado em 1572, é um poema épico que narra a viagem de Vasco da Gama à Índia, celebrando as conquistas épicas proporcionadas pela expansão marítima.
“Os Lusíadas” é composto por dez cantos, totalizando 1.102 estrofes. A estrutura é clássica, inspirada em épicos como a “Odisseia” de Homero e a “Eneida” de Virgílio. No entanto, Camões introduz um estilo próprio, com uma linguagem rica e imaginativa, repleta de metáforas e figuras de estilo.
A narrativa principal segue o trajeto marítimo realizado por Vasco da Gama, mas Camões intercala histórias mitológicas e históricas, criando uma tapeçaria rica e complexa. Deuses gregos interferem nas ações dos homens, e os “heróis portugueses” são celebrados em versos majestosos.
“Os Lusíadas” vai além da mera celebração patriótica. Camões explora temas universais como o heroísmo, a ambição, o amor, a saudade e a fragilidade humana. Ele questiona a glória e a efemeridade das conquistas humanas, tornando a obra não apenas uma ode ao passado, mas uma reflexão profunda sobre a condição humana.
A sua obra-prima, “Os Lusíadas“, é um monumento literário que continua a inspirar gerações de leitores e escritores. Além de “Os Lusíadas“, ele escreveu sonetos e poemas líricos que capturam a beleza e a dor da experiência humana.
“Amor é fogo que arde sem se ver”
E foi justamente essa vida cheia de drama que inspirou os seus sonetos. Um dos mais famosos sonetos de Camões é uma verdadeira definição poética do amor:
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
Este soneto é um dos melhores exemplos do génio de Camões em capturar as complexidades do amor e transportar essa descrição para um texto. Ele descreve o amor como uma força paradoxal, cheia de contradições – é doloroso, mas ao mesmo tempo traz felicidade.
“Alma minha gentil, que te partiste”
Este soneto é uma das expressões mais tristes e belas que expressam o luto e a saudade na literatura portuguesa:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Camões escreveu este soneto em homenagem à sua falecida amada Dinamene, e onde o amor platónico, com características petrarquianas, se revela num dos seus expoentes máximos. A emoção crua e a dor palpável tornam este soneto inesquecível. É um lamento delicado e profundamente pessoal, mostrando o lado mais vulnerável do poeta.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”
Este soneto reflete sobre a inevitabilidade das mudanças e a passagem do tempo:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Camões lembra-nos que a única constante na vida é a mudança. Ele aborda a impermanência com uma sabedoria melancólica, mas também com uma aceitação serena. Este soneto é especialmente relevante nos nossos dias, quando a mudança parece ser a única certeza.
Os sonetos de Luis Vaz de Camões são verdadeiras joias da literatura. Eles capturam a essência da experiência humana – amor, perda, mudança, e introspecção – com uma maestria poética que ressoa até hoje.
O mestre da poesia em língua portuguesa também foi um antirracista e antiescravagista. Um dos exemplos mais fascinantes dessa vertente é o soneto “Endechas a Bárbara Escrava“.
Mas antes, vale a pena perceber um pouco sobre o contexto.
Camões viveu durante o século XVI, uma época de expansão marítima, grandes navegações, descobertas e… racismo e escravidão. Embora a escravidão seja um capítulo sombrio da história, ela é o pano de fundo para este soneto.
Camões escreveu “Endechas a Bárbara Escrava” enquanto estava em Goa, na Índia. Bárbara era uma escrava africana, possivelmente originária de Moçambique. Assim, se uma “endecha” não é senão uma composição poética triste, o título parece conduzir-nos à ideia de que o poeta poderá ter tido uma escrava, de nome Bárbara.
Por outro lado, a utilização do nome “Bárbara” pode querer levar-nos a refletir sobre o conceito grego, quando estes pretendiam enumerar todos os povos que não falavam o seu idioma e nem compartilhavam da mesma cultura e modo de organização da sua sociedade.
Contudo, parece ser unânime que este poema revela a sensibilidade de Camões ao falar sobre a escravidão e o sofrimento humano.
O soneto é composto por 12 versos, distribuídos em três quadras. A linguagem é simples, mas carregada de emoção, não sendo sequer claro se o sujeito poético e o próprio autor sejam aqui um só, refletindo o lamento e a tristeza pela situação de Bárbara.
Aquella cativa,
que me tem cativo,
porque nella vivo
já não quer que viva.
Inicialmente, parece que somos apresentados a uma situação de amor não correspondido. Camões descreve a escrava como alguém que “mantém cativo”, não fisicamente, mas emocionalmente. Ele vive nela, mas ela não quer que ele viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais fermosa.
Aqui, Camões compara a beleza da escrava à de uma rosa. Ele nunca viu nada mais belo, e seus olhos estão encantados. Quem nunca ficou hipnotizado por alguém, achando que nenhuma rosa poderia ser mais bonita? O poeta sabe bem como capturar esse sentimento.
Nem no campo flores,
nem no céu estrelas,
me parecem belas,
como os meus amores.
Camões eleva o amor a um novo patamar. Nem flores, nem estrelas são tão belas quanto os seus amores. O sujeito poético está tão profundamente apaixonado que nada mais no mundo parece ter o mesmo brilho ou encanto.
Rosto singular,
olhos amorosos,
de anjos formosos,
preso do olhar.
Neste trecho, o poeta fala dos olhos amorosos e do rosto singular da escrava. Ele parece estar preso pelo olhar dela, como se fosse um anjo formoso.
Com esta aspereza,
que me amor envolve,
nenhũa cousa ouve
sem dor ou tristeza.
Nada ao seu redor parece poder ser ouvido sem dor ou tristeza.
Esta cativa,
que me tem cativo,
porque nella vivo
já não quer que viva.
O soneto termina como começou reforçando a dor. O sujeito poético vive nela, mas ela não quer que ele viva.
O Que Torna Este Soneto Especial?
“Endechas a Bárbara Escrava” é especial porque captura a essência de um amor com uma profundidade emocional incrível. Camões usa metáforas e comparações que tornam os sentimentos perceptíveis para o leitor. A beleza da linguagem e a intensidade da paixão fazem deste soneto uma verdadeira obra-prima.
Embora a intensidade dos sentimentos de dor, amor, ódio (etc.) sejam usados por muitos poetas de forma intensa, a forma como Camões expressa aqueles sentimentos é incrivelmente bela. Por exemplo, ele consegue transformar a dor em arte, mostrando que mesmo os momentos mais difíceis podem dar origem a algo extraordinário.
Hoje, Camões é um ícone cultural, tanto em Portugal como no mundo. O Dia de Portugal, celebrado a 10 de junho, é também o Dia de Camões, comemorando o seu impacto duradouro na cultura e na literatura em língua portuguesa.
A vida e a obra de Luis Vaz de Camões são uma mistura fascinante de romance, aventura, tragédia e gênio literário. A sua capacidade de transformar as experiências pessoais em poesia de alcance universal assegura-lhe um lugar eterno no panteão dos grandes escritores da humanidade.
Opinião de António Cunha
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